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Publicado por em 28 de agosto de 2019

Boletim escolar nem sempre é motivo de preocupação

O celular toca e a ligação vem da escola do seu filho. A coordenação conta que ele está apresentando dificuldades em sala. O comportamento não é dos melhores, ele não presta atenção na aula e isso já começa a se refletir nas notas, que despencaram. Pode estar acontecendo em uma matéria ou em várias, não importa. O fato é que, quando o desempenho escolar da criança cai, os pais devem deixar de lado suas próprias expectativas e controlar os nervos para entender o que está atrapalhando os estudos do filho.

Uma escola em Florianópolis, Santa Catarina, preocupada com a reação dos pais ao verem o boletim das crianças, enviou até um recado via agenda, que viralizou. O bilhete tentava ampliar a visão dos adultos. “Entre os estudantes desta sala há um artista que não precisa entender de matemática. Há um empreendedor que não se importa nem um pouco com história ou literatura. Há um músico cujas notas de matemática não importam. Há um atleta, cuja condição corporal é mais importante que a matéria de Estudo do Meio”, diz. O recado também faz um pedido aos pais das crianças que não conseguiram alcançar as melhores notas: “Por favor, não tirem deles a confiança e dignidade! A vida está feita de coisas muito maiores. Não importa a pontuação. Ame-os e não os julgue”. E completa: “Façam isso e vejam os seus filhos conquistarem o mundo. Uma prova ou uma nota baixa não tirará deles o seu talento”. A história viralizou na internet – e não é para menos.

“O problema da aprendizagem é complexo e multifatorial, não existe uma razão apenas”, explica Luciana Fevorini, diretora do Colégio Equipe (RJ). Em outras palavras: uma criança pode tirar notas baixas por motivos diferentes e dificilmente há uma única causa envolvida. Também vale lembrar que a essência do aprendizado é o desafio: toda nova lição traz consigo novos obstáculos. Sendo assim, não dá para esperar um desempenho linear e uniforme para todos os conteúdos. Pode ser que o seu filho tenha se saído superbem com as multiplicações, mas tropeçado nas frações. “É comum que toda criança passe por estágios de dificuldade de aprendizagem. O que não é normal é que isso se prolongue”, completa Luciana Barros de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia.

 

Ciente disso, o primeiro passo após ter conhecimento do problema é marcar uma conversa com o professor e a coordenação juntos para entender como a escola enxerga a criança. “A identificação inicial tem que partir da instituição. É o professor quem precisa dizer: olha, seu filho está disperso, não entrega as lições, não está se saindo bem nas avaliações. É dever da escola apresentar esse pré-diagnóstico”, diz a psicóloga e psicopedagoga clínica Nívea Fabrício, presidente da Associação Nacional de Dificuldade de Ensino e Aprendizagem.

Por que o boletim escolar está com tantas notas baixas?
Quando o feedback sugere que o aluno vai mal em tudo, é preciso investigar, junto com a escola, o que ele está vivendo não apenas na sala de aula, mas também em casa e com os amigos, para, então, seguir com uma orientação mais específica. “Pode ser que ele esteja passando por um momento emocional complicado, enfrentando alguma dificuldade de relacionamento na família ou com os colegas de escola. Para os mais velhos, até questões envolvendo sexualidade e gênero podem interferir”, explica Luciana Fevorini.

Agora, quando o que fica claro dessa reunião é que o seu filho tem dificuldade em uma área específica, proporcionar um apoio pedagógico – quando o professor tenta conversar e explicar de um jeito diferente, com exercícios novos é fundamental. E ter paciência com a criança também.

Esse foi o caso de Maria Fernanda, 10 anos, que estuda em um colégio tradicional de São Paulo. No ano passado, a menina, que estava no quinto ano, começou a ter problemas com a matemática. “Quando tive a reunião com a professora, ela me mostrou as provas e disse que minha filha era uma criança que sabia os conteúdos, mas, na avaliação, ficava tensa e isso atrapalhava a execução”, conta a mãe, a blogueira Eliane Rodrigues, 41. O colégio ofereceu aulas extras e apoio pedagógico durante todo o segundo semestre, mas, mesmo assim, a menina ficou de recuperação no fim do ano. “Quando Maria Fernanda soube disso, ficou muito triste. Conversamos bastante em casa e não deixamos que ela pensasse que era incapaz. Criança nenhuma funciona com pressão. Então, eu dizia: ‘Filha, você é muito inteligente, faça o seu melhor”, lembra Elaine. Com o apoio da família, a  menina conseguiu recuperar as notas e passou de ano.

Será que é TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade?)
Para a mãe, o fato de a filha não gostar da matéria em si foi uma questão, mas ser um ano mais nova do que o resto da turma atrapalhou também. Essa diferença de idade em relação aos colegas pode se refletir nas notas. Um estudo feito pela Universidade de Curtis (Austrália) com 300 mil crianças entre 6 e 10 anos apontou que o uso de medicamentos para transtornos de atenção é mais comum entre alunos mais novos do que o restante da sala – e a preocupação dos especialistas é que eles estejam sendo erroneamente diagnosticados. Pesquisas recentes feitas nos EUA também apontam que a imaturidade de comportamento pode ser facilmente confundida com algum tipo de transtorno. “É preciso observar se a criança já está pronta para o que se espera dela”, diz Nívea. Por isso, antecipar qualquer processo de aprendizagem, como ler e escrever, não vale a pena. Mais adiante, isso pode pesar.

Apesar de existir uma recomendação do Ministério da Educação (MEC) para que os alunos não sejam reprovados até o terceiro ano do ensino fundamental (quando têm por volta de 7 anos), para que se complete o ciclo da alfabetização, há instituições que recomendam que eles repitam o ano escolar. Não é comum, mas, dependendo do caso, pode ser uma oportunidade para que as crianças tenham o tempo necessário de amadurecer.

A influência do afeto e do lado emocional na escola
O lado emocional, aliás, é um ponto fundamental na descoberta do que está por trás dos problemas escolares. Segundo a psicóloga e psicopedagoga Cynthia Wood, da Clínica Crescendo e Acontecendo (SP), “imaturidade, ansiedade, autoestima baixa ou carência afetiva são causas comuns para as notas baixas”. Para Nívea, a junção de uma criança que é mais sensível e imatura a um professor que talvez não saiba conduzi-la da melhor forma pode agravar o mau desempenho. Tanto a supervisão do trabalho do profissional quanto a orientação pedagógica são funções da escola, não cabe aos pais. Mas, quando a família constata que a criança não tem uma percepção positiva do educador, o melhor é procurar a coordenação da escola e relatar o que o filho vem contando.

Ainda assim, pondere. Nem sempre há um problema na conduta do professor. Talvez a criança esteja com saudade do antigo educador, o novo não seja tão empático quanto o outro e ensine de uma forma a que ela não está acostumada – situações de relacionamento pelas quais ela vai ter que passar em toda a sua vida. O que você pode fazer, de acordo com Luciana Barros, é pontuar para o seu filho as tentativas do professor de se aproximar, elogiando as atividades bacanas que ele propõe. “Isso pode ajudar a criança a se aliar com ele”, diz.

Na casa da pedagoga Yasmine Schuabb, 28 anos, mãe das gêmeas Giulia e Anna Luiza, 9, a importância do papel do professor ficou evidente no desempenho das meninas. Elas sempre estudaram em salas separadas, para manterem a individualidade e conquistarem suas próprias amizades. E a mãe conta que as duas praticamente se revezam no “quem vai bem” e “quem vai mal na escola”. Primeiro, Anna é quem tinha facilidade e se destacava pelas boas notas, enquanto a irmã dava trabalho. “Nessas horas, às vezes a gente até esquece que é pedagogo. Não entendia como podia uma ir tão bem e a outra tão mal”, desabafa. No ano seguinte, a situação mudou: a professora de Anna passou a ensinar na sala da irmã e, com isso, a situação se inverteu. Giulia começou a ir bem enquanto a irmã ficou para trás. A mãe atribuiu a mudança à nova educadora de Anna, que ela não considera boa profissional.

Para Yasmine, que é funcionária da escola em que as filhas estudam, foi uma situação delicada. A solução foi reforçar as tarefas em casa e trabalhar um outro fator que ela sabe que pesa bastante: a competição entre as irmãs. “As duas se comparam muito. Às vezes, quando chegam com as provas corrigidas, uma diz: ‘Ah, mas a minha irmã tirou uma nota maior’. E eu tenho que explicar: sim, porque ela acertou essa e aquela questão”, diz.

Entre as filhas, Yasmine percebeu a rivalidade em casa, no dia a dia. Mas, quando há uma questão de relacionamento na sala de aula, um universo mais distante dos pais, a criança dá sinais. Ao notar uma mudança de comportamento do seu filho, como vê-lo constantemente angustiado, triste, indisciplinado e ou até se recusando a ir para a escola, desconfie. Converse e pergunte sobre como ele se sente em relação aos colegas e professores e busque apoio na escola – parceria, aliás, que deve existir sempre.

Também vale lembrar que o contrário pode acontecer: há crianças que estão tão integradas à sala e gostam tanto dos colegas que dão uma dimensão exagerada à vida social. E isso também pode atrapalhar as notas. “São aqueles alunos que não querem perder nada do que acontece e acabam prestando mais atenção aos colegas do que ao conteúdo em si”, diz Luciana Fevorini. Nesses casos, veja se é possível mudar a criança de lugar e explique ao seu filho, quantas vezes for preciso, que o momento para conversas e brincadeiras é no recreio, não na aula.

Quando há algo a mais…
Muitas vezes, no entanto, o motivo do desempenho abaixo do esperado está além do conteúdo, dos professores, dos colegas de sala. Marcelo, 7 anos, começou a apresentar dificuldades na escola no ano passado, quando estava no segundo ano do ensino fundamental, pouco depois da chegada do irmão Lucas, 1 ano. A mãe, a advogada Renata Clemente de Lira Vezetiv, 32, notou que o menino passou a demorar mais para fazer a lição de casa, como se quisesse ganhar mais tempo com ela. “A única mudança no comportamento dele com o nascimento do irmão foi justamente na área escolar. No resto, ele evoluiu: passou a tomar banho sozinho, comer sozinho, se vestir sozinho, coisas que antes eu tinha que ajudá-lo a fazer”, conta. A professora a procurou, ainda no primeiro semestre, pedindo para que a caligrafia fosse reforçada em casa. E em sala de aula, o menino mudou de lugar, sentando-se mais na frente. Mas não bastou: no segundo semestre, a orientação da escola foi que a família procurasse uma psicopedagoga. “Junto com os testes de cognição, ela trabalhava a parte emocional com ele, já que a chegada do Lucas influenciou bastante”, explica a mãe.

A primeira suspeita, no entanto, não se limitava ao ciúme do caçula: o menino poderia ter o Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH), que tem origem neurobiológica e se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade, afetando de 5% a 8% das pessoas ao redor do mundo, de acordo com dados da Associação Brasileira de Déficit de Atenção. Mas em seguida surgiu a possibilidade de Distúrbio do Processamento Auditivo Central (DPAC), que dificulta a concentração em locais barulhentos e, por isso, é facilmente confundido com o primeiro transtorno. Após uma avaliação específica, com um fonoaudiólogo, veio o diagnóstico: era DPAC. Marcelo começou as sessões de treinamento auditivo e a escola segue acompanhando de perto, sempre em contato com a fono. “É um ciclo que precisa estar conectado para que a criança vença esse desafio. A cada dia, percebo uma melhora, ele já faz as lições de casa com boa vontade e praticamente sozinho”, diz a mãe. Apesar da importância do acompanhamento profissional, mudanças na rotina em casa e o cuidado com as emoções do menino têm sido importantes. Após o almoço, Marcelo senta com a mãe para fazer os deveres enquanto o irmão tira uma soneca. E o pai das crianças tem levado o mais velho para passeios exclusivos “só de meninos grandes”. Isso tudo tem aumentado a confiança de Marcelo, na escola e na vida familiar.

Segundo Cynthia Wood, déficits sensoriais, como a criança não estar enxergando ou ouvindo corretamente, de desenvolvimento, como atrasos cognitivos, problemas de linguagem, de processamento auditivo, distúrbios de atenção ou memória também estão entre as causas de notas baixas. Mas apenas o acompanhamento com uma equipe multiprofissional, com oftalmologista, fonoaudiólogo, neurologista, psicólogo ou psicopedagogo, é capaz de dar um veredito. “Se a criança é atenta, se esforça para aprender e, mesmo assim, ela não dá conta, é preciso investigar”, afirma a diretora Luciana Fevorini.

E nunca é demais lembrar: receber um diagnóstico que ajude a entender a dificuldade do seu filho é significativo, mas não deve ser usado para rotular a criança. “Dizemos sempre que a condição, qualquer que seja, não pode ser mais importante do que a própria pessoa”, diz Luciana Barros. E o fato de ter uma dislexia, TDAH ou qualquer outra condição não diminui a importância das demais esferas envolvidas na aprendizagem. Afinal, a escola não é apenas um lugar de aulas e provas. É onde seu filho vai fazer amigos, crescer como pessoa e se tornar um cidadão. E não há nota capaz de avaliar essas conquistas.

O que fazer quando seu filho está com dificuldades na escola?

Algumas tentativas de ajudar o seu filho quando ele está apresentando dificuldades na escola podem agravar a situação. Lembre-se de que:

–  As tarefas escolares são das crianças, não dos pais. Crie condições para que seu filho possa se concentrar, proporcionando um ambiente calmo e um espaço apropriado. Mostre interesse e esteja disponível, mas não faça os deveres por ele.

–  O mesmo vale na hora de se preparar para a prova. Quando a criança tem muita assistência, isso pode trazer insegurança – ela estuda com o pai e a mãe, mas na hora da prova está sozinha.

–  Comparar a criança com um irmão, ou primo, ou colega de escola, não vai estimulá-lo e sim deixá-lo ainda mais frustrado e inseguro. Cuidado com frases como “sua irmã nunca me deu trabalho” e “aposto que seus amigos sabem fazer a lição”.

–  Não dê as respostas mastigadas. Quando seu filho tiver alguma dúvida, devolva a pergunta e faça-o pensar, sem responder de bate-pronto.

–  Apesar de notas baixas e problemas em sala de aula realmente preocuparem os pais, não deixe a situação tomar proporções que não tem. Converse com o professor, marque uma reunião com a coordenação pedagógica e veja como vocês podem unir forças para ajudar a criança.

–  A recuperação não é uma punição. Às vezes, o seu filho precisa de mais tempo ou outra abordagem para assimilar o conteúdo. Não veja a necessidade de uma nova avaliação como castigo, mas como uma oportunidade.

–  Mantenha a calma. É preciso tranquilidade para que a criança possa adquirir confiança para superar qualquer que seja a dificuldade. As provas da escola são apenas as primeiras das muitas outras que ela vai enfrentar ao longo da vida.

 

FONTE: Revista Crescer

 

O Colégio Academos é um colégio de tempo normal e integral, que tem como visão o crescimento do seu/sua filho(a).